Cláudio Pastro e o "design" para o Papa Francisco

Eu sei, eu sei, a visita de Sua Santidade o Papa Francisco ao Brasil foi em julho de 2013 e só agora eu venho falar sobre isso. Eu confesso, o ano de 2013 não foi muito feliz para o blog, pois eu acabei me atrelando às minhas atividades acadêmicas e religiosas e, quando sentava pra escrever, pouco me restava de paciência. O blog passou um tempão parado, mas prometo que em 2014 estarei mais presente.

Mas voltando à visita do Papa, uma linda festa heim? Muitos jovens, muitos padres, muitas celebrações, enfim, muito tudo, até muita gente falando e fazendo besteira, como protestos desnecessariamente obscenos em Copacabana. Enfim, passou, e o que ficou foi o que foi bonito! Ahhhh beleza, vamos falar de design?

Para visita do Papa foram encomendadas peças sacras que seriam usadas nas celebrações tanto no Rio de Janeiro quanto em Aparecida. Adivinha pra quem foi encomendada essas peças? Adivinha vai...aaahh, faz um esforço aê! vai...vai...

Ora, ora, ora...pra quem seria? Ele...artista, iconógrafo, arquiteto, teólogo, historiador e também DESIGNER! Estou falando dele, Cláudio Pastro!

Bem, brincadeiras à parte, o que sei é que ele é artista plástico. Os outros títulos nem ele mesmo se dá, quem as vezes faz isso é a mídia, que não se dá ao trabalho de fazer uma boa pesquisa.


Arquiteto ele não é e iconógrafo também não, afinal, apesar de suas obras terem uma inquestionável influencia "estilística" na iconografia oriental, os "ícones" são, segundo o bispo ortodoxo Kallistos Ware:

"Um ícone não é simplesmente uma figura religiosa desenhada para despertar os sentimentos adequados no observador; é uma das formas pelas quais Deus é revelado ao homem, pois através dos ícones o cristão ortodoxo recebe uma visão do mundo espiritual. Sendo o ícone parte da Tradição, o pintor não tem a liberdade de inovação e adaptação, já que o trabalho deve refletir, não o seu juízo estético e sim o espírito da Igreja. Não se exclui a inspiração artística, ela é exercida dentro de regras determinadas. É importante que o iconógrafo seja um bom artista e, mais importante ainda, que ele seja um cristão sincero e que viva dentro da tradição preparando-se para o trabalho através da Confissão e da Comunhão."

Enfim, ícone que é ícone, além de tudo isso descrito acima, deve ser feito em jejum e oração, e ainda tem que ser benzido por um bispo. Pintar algo "ao estilo bizantino" na parede não caracteriza a obra como "ícone" em si.

Teólogo e historiador ele também não é, mas escreve bastante sobre história da arte sacra e a espiritualidade da "beleza". Eu mesmo tenho alguns livros do Pastro e, confesso, tem muita coisa boa e muitas vezes os tomo como referência para minhas aulas e palestras. Se bem que tem algumas "coisinhas" bem questionáveis no discurso do Pastro, mas enfim, eu ainda o defendo como o grande nome da arte sacra contemporânea, não necessariamente por sua obra (como eu disse, tem coisas questionáveis) mas por ele ser um artista que realmente se dedica à arte sacra, voltando a simbologia de sua obra sobretudo à reflexão litúrgica. 

Por isso, não há nada de estranho no Pastro ser escolhido para desenhar as peças sacras para a visita do Papa ao Brasil, afinal, ele é o artista sacro do momento né? Mas peraê, eu também disse lá no quarto parágrafo que ele é DESIGNER né? Ah, essa é mais uma coisa que ele não é! Artista plástico sim, sem dúvida, mas designer não (apesar do jornal da Globo dizer o contrário). 

Eu nem quero entrar no mérito da discussão entre o que é arte e design, pois eu cansei disso na época da faculdade ainda. Mas o fato é que, assim como quem é arquiteto é quem faz arquitetura, também designer é quem faz design. 

Cláudio Pastro
Entrei nesse assunto porque a mídia apresentou o Cláudio Pastro como o “designer” que faria os objetos sacros que seriam utilizados pelo Papa no Brasil, entre cálices, patenas, turíbulos etc. De fato, as peças foram feitas e, algumas delas ficaram bem “artisticamente” interessantes mesmo, contudo, é notório que outros deixaram (e não tinha como ser diferente) bastante a desejar no que tange ao “design”, desde critérios ergonômicos quanto simbólicos.

Pastro acertou na matéria prima, afinal ele quis exprimir a nobre simplicidade de suas peças utilizando latão, com alguns detalhes escovados e banho de ouro interno nos cálices por exemplo. Eu realmente achei uma ótima ideia, especialmente pelo custo do material e também pelo peso final das peças. Contudo, especialmente os cálices são visivelmente falhos quanto à ergonomia. A parte superior é exageradamente grande em relação à base, com a coluna que liga ambas sendo muito curta e dificultando o manuseio pelo sacerdote.



Mesmo sendo leve, durante o manuseio o sacerdote fica prejudicado pelo apoio central da coluna, que praticamente não existe, se vendo obrigado e segurar o cálice pelas extremidades da parte superior. Considerando que a superfície é polida e obviamente lisa, na altura em que o sacerdote iniciar a oração eucarística, suas mãos provavelmente estarão suadas e a possibilidade de um acidente é muito grande, sem contar o fato de o sacerdote em questão (o Papa) já ser um idoso.

Lembro-me muito bem de quantos trabalhos de metodologia do design fiz na faculdade e o quanto emprego algumas dessas técnicas até hoje em meus trabalhos. Um fase importante é a pesquisa de similares, que norteia o desenho do projeto dentro de experiencia previamente testadas. Quando falo da coluna central do cálice, esta evidentemente existe para sustentação do mesmo. Juro que este cálice em si só me lembra uma coisa:


Tem um deses no jardim lá de casa!

Deixando o jarro...ops...o cálice de lado, gostei bastante das patenas. Grandes e ótimas para celebrações grandes, como é típico das celebrações pontifícias, valendo o mesmo comentário sobre o material, no que o Pastro foi muito feliz. Desenho limpo, uma cruz ao estilo Pastro na parte central interna. Eu achei ótima!


Agora vamos ao turíbulo. Outro dia fiz uma postagem aqui trazendo a questão do turíbulo e sinceramente prefiro que você leia o outro post e compreenda melhor minha visão do assunto. De qualquer forma, eu acho que se há pecado no design, o artista plástico Cláudio Pastro errou também na pesquisa de similares.

Turíbulo projetado por Pastro para o Papa

É sério, me lembrou isso:


Enfim, escolhas felizes, outras nem tanto, nada mais normal se o assunto é arte. O problema é quando se chama isso de design! Como designer que sou, me sinto no dever de me pronunciar a respeito. Gosto de muita coisa que o Pastro faz e juro que duvido que eu faria coisa melhor,  mas provavelmente eu assumiria a postura de consultor de design e liturgia e indicaria peças já existentes, não menos modernas, porém melhor projetadas.

Xlomo!